Na
grande fábrica de roupas onde eu trabalhava, havia cerca de três mil
mulheres. Na qualidade de homem casado, mas carente de afeto, eu temia a
possibilidade de me apaixonar por uma delas.
Depois
de dezoito anos carregando a bandeira de homem fiel, pude perceber que
ali havia chegado uma moça diferente para os meus olhos. E a partir
daquele dia senti que alguma coisa estava errada em mim, pois algo nela
me atraía. Era como se eu tivesse encontrado um ser da mesma espécie que
a minha, num mundo de seres diferentes. Era morena, pequena e tinha os
cabelos encaracolados. Seu rosto tinha uma expressão firme, serena e
enigmática.
Aquela
moça já fazia parte do meu imaginário. Eu a reconheci como a mulher que
frequentemente ocupava os meus pensamentos, que nos momentos de
nostalgia, entre tragos e canções, imaginava que algum dia, em algum
lugar, eu iria encontrar.
O
destino a tinha colocado perto dos meus olhos. Mas com o passar dos
dias, pude perceber que eu estava longe, muito longe do seu coração. O
olhar distante, às vezes triste, nunca percebia a minha existência.
Mantive-me afastado, até o dia em que vi uma frase escrita na sua mesa
de trabalho: "Eu tenho tristeza". Confirmava-se assim, que realmente
éramos seres da mesma espécie.
Eu
não tinha nem uma qualidade para ser um Don Juan, mas a partir daquele
dia, eu queria ser tudo, para deixar de ser nada, diante dos olhos dela.